National Kid completa 60 anos como uma transformação do tokusatsu na TV

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National Kid completa seis décadas nesta terça (4) | Arte: Jayme Leão

Quem acompanhou as primeiras séries japonesas exibidas no Brasil, pode comemorar. O primeiro super-herói japonês a passar na TV brasileira está completando 60 anos hoje. National Kid foi lançado em 4 de agosto de 1960, marcando a revolução do gênero tokusatsu, que estava conquistando seu espaço nas telinhas do Japão.

Com o sucesso de Godzilla (1954) nos cinemas japoneses, o estúdio Toho produziu outros filmes com efeitos especiais de baixo custo na segunda metade da década de 50. Rodan (1956), Os Bárbaros Invadem a Terra (1957), Varan – O Monstro do Oriente (1958), A Idade dos Deuses e Mundos em Guerra (ambos de 1959). Ainda nas telonas japonesas surgia o primeiro super-herói japonês, o Super Giants, que teve uma série de 9 filmes produzidos pelo extinto estúdio Shintoho entre 1957 e 1959. A inspiração era visivelmente no Superman, da DC Comics. Nesse ímpeto, a Toei produzia seus primeiros super-heróis para a TV, todos ainda com imagem em preto e branco. Eram eles: Gekko Kamen (1958), Yusei Ouji (1958), Nanairo Kamen (1959) e Allah no Shisha (1960). Essas produções já se caracterizavam por ter histórias representadas por monstros de borracha (com zíper à mostra!), maquetes, fios de sustentação em cenas específicas e por aí vai. O que pode ser rudimentar (ou tosco) para os dias de hoje, era um máximo para o público infanto-juvenil da época.

Nessa projeção, a Toei foi mais além ao investir pesado num super-herói que lutaria contra invasores do espaço, criaturas bizarras e ainda assim seria, provavelmente, o primeiro grande garoto-propaganda da terra do sol nascente e com um enredo inovador e futurístico para aquele tempo. Assim surgia National Kid, o guerreiro da quarta dimensão.

Cavaleiro da paz e da justiça

Criado pelo mangaká Daiji Kazumine (que viria a criar Spectreman anos mais tarde), o herói-título fazia parte de uma projeto de merchandising da marca National (atual Panasonic), com a finalidade de impulsionar as vendas de produtos da empresa. Para atrair a criançada, Kid veio da galáxia de Andrômeda e tinha poderes especiais, voava e enfrentava o mal como qualquer herói que se preze. E de quebra, ainda aparecia com rádios e aparelhos com a marca da fabricante.

Assista o primeiro episódio (via Tokusatsu TV):

https://www.youtube.com/watch?v=c9gW5bRawCo

Ele também bebeu da fonte de Superman, mas a diferença era que ele voava com os braços abertos, usava um capacete (com uma anteninha de mola), máscara, luva e uma capa, que era indispensável para quem era “mais rápido que os aviões a jato” e “mais forte que o aço” como o narrador o descrevia na abertura de alguns episódios. Tem mais. Kid ainda carregava duas pistolas chamadas Eroruya (as primeiras pecinhas de uma série japonesa a serem comercializadas para as crianças) para enfrentar os inimigos e tinha um jeitão próprio de lutar (que parecia uma dança algumas vezes).

Embora a série tentasse esconder de um jeito bem ingênuo, National Kid tinha uma identidade secreta na Terra. Ele era o professor Massao Hata (Ryusaku Hata), filho de um renomado cientista que atua no subúrbio de Tóquio. Curiosamente, o personagem foi interpretado por dois atores. As duas primeiras sagas foram estreladas por Ichiro Kojima (do filme Um Colt é o Meu Passaporte, de 1967), que foi escalado pela própria Toei para estrelar seus filmes. Em seu lugar entrou Tatsume Shiutaro, que ficou até o fim da série.

Os alunos de Hata eram Kura, Yukio, Kyoko, Tomohiro e o travesso Goro, que formavam uma espécie de agentes mirins que sempre se metiam em confusão. Quem ajudava a cuidar das crianças era bela Chiako (interpretada por Kiwako Taichi, que fez carreira no cinema japonês e morreu em 1992, vitima de um acidente de carro). Seus principais aliados eram o cientista Dr. Mizuno e o delegado Takakura.

Awika!

Exibido no início das noites de quinta-feira da emissora japonesa NET (atual TV Asahi), National Kid teve 39 episódios que foram repartidos em quatro sagas: Os Incas Venusianos (com 13 episódios), Os Seres Abissais (com nove), O Império Subterrâneo (com oito) e O Mistério do Garoto Espacial (com nove). O orçamento de cada episódio era de aproximadamente um milhão e quinhentos ienes (!). Naquela época, era comum investir cerca de dez mil ienes por minuto para produções de TV. Muita coisa para uma mídia considerada menos elevada que o cinema, mas é bom frisar que a Toei já atuava há algum tempo na sétima arte.

Por isso mesmo, havia qualidade nos efeitos na produção (considerando os padrões daquele tempo). Um bom exemplo eram nas cenas em que Kid voava num cenário feito em chroma key. Constrangedor? Provavelmente sim para alguém de 2020, mas em 1960 era coisa de alto nível. Pra se ter uma ideia, isso dispensava o uso de um boneco sustentado por um fio e de gente correndo nos bastidores para a cena acontecer.

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Aura e os generais incas-venusianos | Divulgação

Bem mais importante do que a parte técnica era as mensagens que o clássico transmitia. Naquele período pós-guerra, havia todo um apelo para acabar com os testes nucleares. National Kid tinha uma narrativa própria que metaforizava os princípios de paz e prosperidade, em tempos onde os japoneses ainda superavam os ataques de Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial.

Era o caso da saga dos Incas Venusianos, por exemplo. Aura, a rainha devota do deus Awika, chegou a ameaçar a humanidade, caso pesquisas nucleares continuassem. Mas por trás desse “apelo” alienígena, havia mesmo era o interesse do território terrestre ser preservado da radiação. Ou seja, terreno fértil para a invasão. Por outro lado, havia o risco de outros planetas também serem afetados pela propagação dessa terrível energia. Se a mensagem fazia todo sentido no Japão, aqui no Brasil não teve todo esse impacto. O que as crianças queriam mesmo era ver o mascarado espacial salvar o dia.

Sucesso no Brasil

Antes do Kid chegar em terras brasilis, o primeiro super-herói japonês a passar por aqui foi Super Giants. Isso mesmo. Um de seus filmes foi exibido em 27 de dezembro de 1958 com o título Super Gigante o Homem de Aço, como atração de um festival de filmes japoneses realizado em São Paulo, pela Meca Cinematográfica e pela Nippon Filmes do Brasil (saiba mais aqui). Na TV brasileira, National Kid foi o primeiro super-herói japonês a ser exibido. Houve três estreias naqueles tempos de ouro. A primeira aconteceu em 5 de março de 1964* pela TV Record, semanas antes do início do período militar no Brasil. A TV Rio (atual RecordTV Rio) estreou o seriado japonês em 8 de maio do mesmo ano*, com patrocínio da marca de brinquedos Estrela. E a última foi em 3 de agosto de 1965* na extinta TV Piratini de Porto Alegre (afiliada da Rede Tupi e atual SBT Rio Grande do Sul), como atração do bloco Cinelândia. O sucesso de National Kid quase rendeu o licenciamento de Nanairo Kamen, que seria chamado por aqui como Máscara de Sete Côres (saiba mais aqui). A última exibição da série com a dublagem clássica aconteceu em meados de 1970 na Globo.

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Emerson Camargo, a primeira e inconfundível voz do herói | Reprodução/Focus Filmes

O herói-título foi dublado no estúdio paulista AIC (atual BKS) e foi eternizado na voz do dublador Emerson Camargo (1944~2017), que mais tarde interpretaria o Capitão Kirk em Jornada nas Estrelas, além de dirigir a primeira versão brasileira deste clássico. Camargo voltaria a interpretar Kid na segunda dublagem da série (a primeira se perdeu). National Kid voltou ao Brasil no início dos anos 90 pela Sato Company. Nesta época, Camargo era proprietário do estúdio Windstar, que dublou Patrine e Winspector, e por lá aconteceu a redublagem para fitas em VHS. A pedido de Nelson Sato, presidente da distribuidora, os créditos da versão brasileira levaram o nome do dublador, como homenagem à voz oficial do herói no Brasil. A parte chata é que “Awika”, a saudação dos Incas, foi dita como no original, com a pronúncia “Ávica”, ao invés de “Auíca” como na dublagem clássica, mas dá pra curtir. Curiosamente, as capas tiveram as artes do falecido ilustrador Jayme Leão.

Inicialmente a previsão de lançamento de National Kid em vídeo era para setembro de 1993, mas foi adiada para 7 de outubro por atraso do envio de material por parte da Toei, segundo Nelson Sato em entrevista para o programa E No Próximo Episódio…. Em 23 de setembro, houve uma festa do relançamento, que também celebrou os 85 anos da imigração japonesa no Brasil. Infelizmente não foi um sucesso de vendas e por isso não tivemos as redublagens da saga O Mistério do Garoto Espacial. Esta versão lançada em vídeo foi baseada no formato “telefilme” das sagas que a Toei Video havia lançado no Japão em 1987. Por isso, alumas cenas ficaram de fora, mas o essencial de cada saga foi mantido.

A Sato Company ainda apostou na volta de National Kid na TV – mirando no público infantil da então nova geração. Em 25 de março de 1996, a extinta Rede Manchete inaugurou o bloco JapaAction na faixa das sete da noite. De segunda à quinta rolava uma dobradinha com o inédito Superhuman Samurai (versão americanizada de Gridman e estrelada por Matthew Lawrence, do filme Uma Babá Quase Perfeita) e as reprises de Ultraman (redublagem da BKS). Nas sextas era a vez do mascarado, seguido de reprises de Solbrain. Considerando que a então nova versão de National Kid não tinha o formato episódico, a Manchete teve que se virar pra fazer uma versão com 30 minutos (incluindo dois intervalos comerciais). A saudosa emissora da família Bloch só produziu três episódios (parando no momento em que os pequenos detetives foram capturados pelos Incas Venusianos), reprisou estes mais vez no mesmo horário, ficando até 10 de maio daquele ano. Na semana seguinte, a Manchete estreou o animê Shurato, exibido de segunda à sexta. Superhuman Samurai era exibido em seguida, de segunda à quinta e Ultraman às sextas.

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National Kid ao lado da bela Chiako e os pequenos detetives | Divulgação

Kid voltou no mercado home-video em 2002 pela Cinemagia, com apenas dois discos da saga dos Incas Venusianos. A Focus Filmes relançou a série em duas boxes. A primeira, em 2009, levava a redublagem das três primeiras sagas. E em 2010, a segunda com o lançamento da saga do Garoto Espacial, inédito em vídeo. A redublagem foi realizada pela DuBrasil. Afonso Amajones substituiu Emerson Camargo no papel de Massao Hata/National Kid, pois ele já estava aposentado.

Em 2015, a Sato Company readquiriu os direitos de National Kid. A intenção inicial era lançar este e as séries Jaspion, Changeman, Flashman, Jiraiya, Jiban e o inédito Garo na Netflix. O acordo não foi firmado e a distribuidora acabou criando seu próprio serviço de streaming, o WOW! Play, que teve curto período de existência. Sem muitas alternativas para o momento, a Sato criou o canal Tokusatsu TV, no YouTube, onde alguns episódios estão disponíveis gratuitamente. Atualmente é possível encontrar a série no Amazon Prime Video.

Apesar do enredo bastante inocente e datado nos dias de hoje, o cavaleiro da paz e da justiça ainda é um símbolo de uma geração que aprendeu a gostar de seriados japoneses. Se você ainda não viu, dê uma chance e entenda como nossos pais curtiam tokusatsu bem antes da gente conhecer o termo.

*Créditos: Matheus Mossmann


7 comentários sobre “National Kid completa 60 anos como uma transformação do tokusatsu na TV

  1. Oi, César
    Seria importante dar o crédito ao grande desenhista Jayme Leão, que fez o desenho que ilustra essa postagem. Como não havia material para fazer as capas dos vídeos, eu o contratei para desenhar as duas primeiras capas da série — a dos Incas Venusianos –, de seis fitas de vídeos que lançamos em 1993.

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