Há 30 anos, ‘Winspector’ estreou no Brasil para revitalizar o tokusatsu na TV

Winspector estreou na emissora carioca um dia após o final do Brasil conquistar o Tetra | Divulgação: Toei

Após anos de infindáveis reprises, séries tokusatsu como Jaspion, Changeman e Jiraiya deixaram por algum tempo a TV brasileira, devido à saturação do gênero. No primeiro semestre de 1994, a extinta Manchete exibia as reprises de Cybercop e Kamen Rider Black. No caso deste último título, despediu-se da programação da emissora carioca em 15 de julho daquele mesmo ano*.

Durante esse período, a atenção dos telespectadores estava voltada para a final da Copa do Mundo nos EUA, onde o Brasil conquistou acirradamente o tetracampeonato nos pênaltis contra a Itália, dois dias depois da última exibição de Black na Manchete.

Logo após o mundial, em 18 de julho de 1994*, a Manchete iniciou uma nova fase com a estreia de Esquadrão Especial Winspector (Tokkei Winspector), uma das primeiras séries da antiga distribuidora Everest Video com seu então novo nome: Tikara Filmes.

Junto com Patrine, Winspector era uma tentativa da Tikara em resgatar a força do gênero tokusatsu no Brasil. O tempo provou que foi um acerto do ex-licenciador Toshihiko Egashira para começar bem a então nova safra de heróis japoneses que estava por vir nos anos seguintes.

À Beira do Século XXI

Da esq. para dir.: Biker, Junko, Chefe Masaki, Liuma e Highter | Divulgação: Toei

Tudo começa quando o policial Shunsuke Masaki decide criar uma divisão especial da polícia com a especialização em resgate. A finalidade é combater a criminalidade em Tóquio e salvar vítimas desses ataques. Masaki inicia o projeto após a morte de seu parceiro de polícia, Masanobu Koyama, que sonhava com essa modalidade.

Dez anos depois, mais precisamente em 1999, o Esquadrão Especial Winspector entra em ação para proteger a paz na capital japonesa. Masaki agora é o comissário-sênior do Departamento de Polícia Metropolitana. Para as missões de campo, Masaki conta com o apoio do comandante Liuma Ogawa (Ryouma Kagawa, no original), um jovem de apenas 23 anos que possui grande inteligência, domina cinco idiomas, foi atleta olímpico e entende de ciência de alta tecnologia.

Ao usar a palavra-chave Jakkan (Chakka, no original — algo como “forma de vestimenta”) em seu carro, Liuma assume o codinome Fire e veste a armadura Classtector (termo suprimido na dublagem), que aumenta em 30 vezes suas capacidades físicas. Porém, o tempo limite do Classtector é de apenas 5 minutos, causando um enorme cansaço caso esse tempo seja ultrapassado. Com isso, Liuma treina arduamente para expandir o limite de tempo. Ele tem uma irmã mais nova, Yoko, que cuida de uma floricultura do interior que foi atacada anos antes por um atentado.

O Esquadrão Winspector também é formado pela policial feminina Junko Fujino, o mecânico Shinichi Nonoyama, o supercomputador Madocks e a carismática dupla de robôs Biker (Bikel) e Highter (Walter). Mais tarde entra o mini-robô Demitasse, que atua em pequenos casos. A equipe também conta como braço direito a policial secreta Hissae (Hisako) Koyama, filha do falecido inspetor Koyama, que cuida de uma cafeteria ao lado do travesso irmão caçula Minoru (Ryota). O policial Toraguro Rokkaku, da divisão local, aparece em alguns episódios – servindo de alívio cômico na trama.

Highter, Fire e Biker com suas principais armas | Divulgação: Toei

Para combater os bandidos, Winspector conta com sofisticados veículos e equipamentos. A arma individual de Fire é a espada de energia Max Calibre (Max Calibur), a de Biker é a Super Lança (Bi Spear) e a de Highter é o Super Voador (Dislider). Os três possuem o equipamento Multi Pack (acionado em casos de incêndio), a pistola laser Daytric M2, as Unidades Âncora e Rotor, além da algema especial Hand Wapper. Liuma carrega o distintivo Win Badge e, como Fire, carrega o distintivo Fire Badge.

Os principais criminosos que aparecem em Winspector são o Professor Onikichi Kuroda, que desenvolveu o Androide R24 (ambos aparecem no primeiro e no último episódio); Goro Karasawa, o bandido que matou o policial Koyama no passado; Shinigame Moss, o criminoso internacional que deseja capturar sementes especiais; e Murata, um ser terrível que tem a capacidade de se auto-clonar.

Num arco de dois episódios, Liuma sofre um acidente quando o Super Carro Patrulha (Win Squad) é destruído por capangas do terrorista Moss. O herói escapa da morte e ganha um novo carro idêntico ao antigo (uma versão branca do Chevrolet Camaro). A diferença é que o novo veículo é mais resistente às explosões e se converte para o supercarro vermelho Winsquad (Fire Squad), através do SP Card. Nesse mesmo período, Biker ganha a moto Winchaser.

Outro arco importante em Winspector (considerado o mais emocionante de toda a série) é quando surge Brian, um robô policial que atua em Nova Iorque, sendo controlado pelo maníaco Yuuichi Hirosaki. Seu alvo, na verdade, era matar todos os motoqueiros do Japão, para vingar a morte de sua filha. Fire, Biker e Highter enfrentam Brian (visual reaproveitado do vilão MacGaren em Jaspion), mas as tentativas são inúteis. A única esperança é a utilização da nova arma Giga Stream (Giga Streamer), que ainda não tinha sido testada. Ao combinar a Giga Stream com a Max Calibre, Fire ativa o Maxim Mode e consegue desferir um poderoso tiro que derruba Brian.

Liuma utiliza pela primeira vez a poderosa Giga Stream, derrubando o violento robô Brian | Divulagação: Toei

Provavelmente, esse é o episódio mais inesquecível de Winspector, principalmente para os fãs brasileiros. Embora este colunista considere que o episódio seguinte foi o melhor, devido ao plano audacioso de Hirosaki em tentar destruir Madocks e invadir as operações da delegacia. Um dos momentos mais frenéticos e violentos da trama.

Winspector veio no momento certo, quando a onda de saturação de reprises de séries tokusatsu estava moderada. As histórias eram diferentes de tudo que tínhamos visto antes. Os vilões eram criminosos e o espaço era dividido para tramas sobrenaturais e de ficção científica. Foi uma das mais importantes séries a passar no Brasil, que mudou o estilo dos heróis metálicos no momento certo. Datada para os dias atuais, Winspector ainda é uma série tokusatsu que consegue cativar o nicho.

Roteiros reformulados

Produzida pela Toei Company, Winspector é a nona série da franquia Metal Hero. Foi exibida nas manhãs de domingo da TV Asahi entre 4 de fevereiro de 1990 e 13 de janeiro de 1991, sempre às 8h. A faixa foi a mesma ocupada mais tarde pelas séries Kamen Rider (que hoje está na faixa das 9h da manhã na mesma emissora). O roteiro ficou a cargo da equipe de roteiristas da Toei Company que atende pelo pseudônimo Saburo Hatte. Entre eles estava Noboru Sugimura (de Kamen Rider ZO; in memoriam). Keita Amemiya (criador das séries Garo) era o designer dos personagens e Ryu Noguchi (designer de personagens de Jaspion; in memoriam) era o diretor de arte.

Após a saída do produtor Susumu Yoshikawa (o idealizador das primeiras séries Metal Hero) durante a exibição original de Jiban, o cargo foi ocupado por Nagafumi Hori. Ele já havia trabalhado como diretor em Changeman e Flashman e mais tarde se tornou produtor a partir de 1987 em Kamen Rider Black. Com isso, o padrão de histórias sofreu reformulação, onde não havia mais um inimigo fixo e nem monstros. Os inimigos, então, eram criminosos que se aproveitavam do avanço tecnológico para fazer o mal. Seguindo a linha dos tradicionais seriados policiais, os heróis tinham que prender os bandidos ao invés de matá-los.

A policial secreta Hissae Koyama | Divulgação: Toei

A mudança de enredo foi motivada também pela rejeição da subcultura otaku por grande parte dos japoneses, devido ao caso de assassinos em série nas cidades de Tóquio e Saitama, onde um criminoso havia sido noticiado de maneira sensacionalista por possuir fitas de animes, filmes de terror e até de pornografia. Esse triste fato fez com que a opinião pública acreditasse em alguma influência negativa para esse tipo de crime.

Em entrevista para a revista Uchuusen, Tsuyoshi Nonaka, projetista de brinquedos da Bandai, comentou que várias cartas eram enviadas a jornais que elevavam ainda mais a polêmica. Por isso a mudança de imagem onde a mensagem transmitida era salvar as pessoas e que “apenas derrotar o mal não é justiça”. Nonaka foi responsável pelas linhas dos Metal Heroes, desde Jiban até B-Fighter.

Winspector teve episódios mais conduzidos para o público infanto-juvenil, já que tratava sobre terrorismo, tráfico de drogas, entre outros crimes (apesar de algum ou outro episódio ser meio bobo). Para o produtor Hori (que é natural da província de Kagawa, nome que leva o sobrenome original de Liuma), criar uma série de heróis que seguisse essa linha era uma tarefa árdua que exigia constante revisão de roteiros e ainda gerava divergências com os escritores. Winspector foi a terceira série Metal Hero de maior audiência, registrando média de 12.8% no Japão e perdendo apenas para Gavan (14.9%) e Sharivan (13.0%). O sucesso rendeu a origem da trilogia Rescue Police, que integrou à franquia Metal Hero por três anos. As sequências eram Solbrain (de 1991; exibido também na Manchete) e Exceedraft (de 1992; inédito no Brasil).

Os grandes destaques de Winspector são Masaru Yamashita e o veterano Hiroshi Miyauchi. Ambos reprisaram os papeis de Liuma/Fire e Chefe Masaki, respectivamente, em Solbrain.

O ator Masaru Yamashita como Liuma | Divulgação: Toei

Yamashita pode ser visto no filme Kamen Rider ZO, de 1993. Vestia o traje de Kamen Rider Black RX em apresentações de palco e mais tarde foi escalado para interpretar Liuma, bem como encarar as cenas de ação, dispensando dublê na maior parte de Winspector. Curiosamente, as primeiras publicações da série mostravam Liuma com terno e gravata, mas a ideia foi abandonada (já que esse era o estilo de Naoto Tamura em Jiban). Em agosto de 2008, Yamashita conta em entrevista para a revista Dengeki HOBBY que a conhecida jaqueta de couro de Liuma foi comprada em Harajuku. As filmagens começaram após essa definição.

Yamashita passou alguns anos afastado do meio artístico. Em 2019, apareceu numa publicação ao lado do diretor Koichi Sakamoto. Indicando a possibilidade de o ator reprisar o papel de Liuma/Fire numa sequência da série de filmes Space Squad (que reúne heróis das franquias Metal Hero e Super Sentai), que até hoje está sem uma continuação. Em 23 de junho de 2024, Yamashita e o ator Koichi Nakayama (Daiki Nishio/Solbraver em Solbrain), fizeram uma breve participação especial no episódio 41 de Kamen Rider Gotchard, interpretando trabalhadores de uma entrega express.

Já Miyauchi é um veterano do gênero tokusatsu desde 1973, quando estrelou como o herói-título Kamen Rider V3. Dentre várias participações, o destaque fica para: Ao Ranger em Gorenger (1975), Big One em JAKQ (1977), Ken Hayakawa em Zubat (1977), Chefe Miura em Ohranger (1995), além de uma participação especial no drama Tokusatsu Gagaga (2019). No Brasil, Miyauchi pôde ser visto também nos episódios 30 e 31 de Gavan como o Policial do Espaço Alan.

Com uma trama bem diferenciada para os padrões, Winspector contou com ilustres participações especiais de atores de tokusatsu. São eles: Susumu Kurobe (Hayata em Ultraman), Daigaku Sekine (Zampa em Jaspion), Goro Mutsumi (Führer em Cybercop), Jouji Nakata (Kaura em Flashman), Masanari Nihei (Ide em Ultraman; in memoriam), Daisuke Ban (Jiro em Kikaider), Toshimichi Takahashi (Ikki em Jaspion), Mayumi Yoshida (Lu/Pink Flash em Flashman), Takumi Tsutsui (Toha Yamashi em Jiraiya), Maho Murayama (Princesa Garonia em Kamen Rider Black RX e Maria em Jetman), Yoshinori Okamoto (Buba em Changeman e Galdan em Flashman), Atsuko Takahata (Kilza em Jaspion e Maribaron em Black RX), Miyuki Nagato (Urk em Flashman), Tota Tarumi (Jin/Red Flash em Flashman), Yutaka Hirose (Wandar em Flashman), Rikiya Koyama (Joe Kazumi em Black RX), Eiichi Kikuchi (Gasami 1 em Jaspion), Makoto Sumikawa (Lady Diana em Spielvan e Reiko Shiratori em Black RX) e Jun Tatara (Gosuke Fuji em Gavan e Barza em Zyuranger).

Capa do segundo álbum da série Super Hero Chronicle Series – Complete Collection of Metal Hero Theme Songs and Insert Songs, que inclui a trilha sonora completa de Winspector | Divulgação: Toei/Columbia

A trilha sonora de Winspector foi produzida pelo saudoso compositor Seiji Yokoyama (1935~2017), o mesmo do anime Os Cavaleiros do Zodíaco. Yokoyama também compôs as BGMs de Metalder (de 1987), que foram muito bem reaproveitadas nesta série. Porém, ele também tratou de criar BGMs próprias para Winspector.

O cantor principal da série é Takayuki Miyauchi, conhecido pelos fãs de tokusatsu pelas trilhas sonoras de Bioman, Flashman, Kamen Rider Black RX, Solbrain, Exceedraft, entre outros. Ichiro Mizuki também canta algumas canções, como o tema da arma Gigastream. Ele é o mesmo intérprete de temas de Spielvan, Metalder, Kamen Rider Black RX, Kamen Rider X, entre tantos outros. Masaru Yamashita (o próprio Fire) cantou a contemplativa canção Kimi Ga Shiawase Nara. Curiosamente, Masaru Yamashita e Takayuki Miyauchi são grandes amigos e até hoje mantêm contato.

A era de prata do tokusatsu no Brasil

A versão brasileira foi realizada pela extinta Windstar, propriedade do saudoso Emerson Camargo, o dublador oficial de National Kid. Anteriormente, o estúdio de dublagem havia trabalhado na primeira redublagem de National Kid e em Patrine. Destaque para os dubladores Marcelo Campos (Mu de Áries em Cavaleiros) como Liuma/Fire, Hermes Baroli (Seiya de Pégaso em Cavaleiros) como Biker, Affonso Amajones (Solbraver em Solbrain) como Highter, Daoiz Cabezudo (Sorento de Sirene em Cavaleiros; in memoriam) como Chefe Masaki, Marta Volpiani (Dona Florinda em Chaves) como Hissae, Emerson Camargo (National Kid; in memoriam)) como Madocks e Letícia Quinto (Saori/Athena em Cavaleiros) como Yuko.

Curiosamente, as primeiras exibições de Winspector na Manchete tiveram alguns problemas com episódios fora de ordem, que logo foram devidamente alinhados. Em alguns episódios, o tema de encerramento Kyo no Ore kara Ashita no Kimi e era tocado estranhamente durante a abertura, o que acabou confundindo os espectadores. Após várias reprises, o último episódio de Winspector foi finalmente exibido em meados do primeiro semestre de 1995. Sua última exibição na saudosa emissora foi às 9h30 da manhã do dia 26 de dezembro de 1997.

O encontro entre o Esquadrão Winspector e a Super Equipe de Resgate Solbrain | Divulgação: Toei

Com boa margem no Brasil, a Tikara conseguiu planejar a linha de brinquedos com a extinta fabricante de brinquedos Glasslite, que já era sua parceira de longa data. A série também contou com serviço de telefonia 0900 onde podiam serem ouvidas histórias curtas com as vozes dos dubladores. Além disso, a empresa Intermovies lançou todos os 49 episódios em 25 volumes de VHS, disponíveis na época para venda e aluguel.

O sucesso de Cavaleiros (lançado no Brasil em 1º de setembro de 1994) impulsionou a popularidade de Winspector e motivou a Tikara a trazer Solbrain para contar a saga da nova equipe de Masaki.

Agora, após três décadas, resta torcermos para que Winspector retorne ao Brasil e seja disponibilizado em alguma plataforma de streaming – com a boa e velha dublagem clássica, é claro. Está mais do que na hora desse momento acontecer.

*Créditos das datas no Brasil: Matheus Mossmann

**O texto original foi publicado na minha antiga coluna no site JBox, em 12 de julho de 2019. Esta versão foi devidamente revisada e atualizada.


Deixe um comentário