
O final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 marcaram uma verdadeira invasão de super-heróis japoneses na TV brasileira. Embora clássicos como National Kid, Ultraman e Spectreman já tivessem sido exibidos, foi com a chegada de Jaspion e Changeman, pela extinta Manchete, que o fenômeno tokusatsu realmente explodiu no Brasil.
Essa febre levou outras emissoras, como Globo e Bandeirantes, a buscarem suas próprias séries japonesas, saturando o mercado de brinquedos e produtos relacionados por volta de 1990.
Em uma matéria publicada em novembro de 1991, o Jornal do Brasil havia citado Patrine como a nova série japonesa da Manchete. A série era uma aquisição da antiga Everest Vídeo, cujo licenciador era o prolífico Toshihiko Egashira (também conhecido como Toshi).
Naquele mesmo ano, Toshi conseguiu distribuir para a emissora carioca as séries Spielvan (que levou a alcunha de “Jaspion 2”), Maskman (a última série Super Sentai lançada no Brasil) e Kamen Rider Black (também conhecido como Black Kamen Rider e comercialmente na época como “Black Man”).

Dentre as três novidades de então, Black foi a que fez mais sucesso. Atualmente, a série é licenciada no Brasil pela Sato Company desde 2020. Entretanto, em 1991, as séries tokusatsu já estavam sofrendo desgastes devido a tantas reprises e várias séries sendo exibidas em emissoras diferentes.
Mesmo assim, Toshi resolveu apostar em Bishojo Kamen Poitrine, a décima primeira série da franquia Toei Fushigi Comedy Series, criada em parceria com o saudoso mangaká Shotaro Ishinomori (criador de Kamen Rider) e exibida nas manhãs de domingo pela Fuji TV.
Os números falaram mais alto
Curiosamente, Toei Fushigi Comedy Series começou em outubro de 1981 com o clássico Robot 8-chan (leia: Hacchan), iniciando uma fase com robôs e extraterrestres fofinhos que durou até dezembro de 1986, com o final de Morimori Bokkun.
A franquia seguiu por mais dois anos com a fase das equipes de detetives mirins, com Hard Gumi (1987) e Marin Gumi (1988). E só em 1989 é que a produtora japonesa apostou na fase das garotas mágicas, que durou até outubro de 1993, quando a franquia Toei Fushigi Comedy Series chegou ao fim.

Nesta fase, a Toei apostava em idols que estavam em ascensão para serem as estrelas principais de cada série. No caso de Patrine, a série foi estrelada pela atriz e cantora Yuko Hanashima, que havia iniciado a carreira em 1989. É dela a interpretação dos temas de encerramento da série, Kanashimi ni Ichiban Chikai Basho (nos primeiros 28 episódios) e Anata dake Change me (do episódio 29 até o final).
Exibida originalmente entre 7 de janeiro e 30 de dezembro de 1990, com um total de 51 episódios, Poitrine (leia o nome original da heroína como: “Powatrine”; o nome original da heroína é uma palavra francesa que significa… “seios”) obteve 18.9% em média de audiência. Por isso, Toshi resolveu adquirir a série no ano seguinte e tentar emplacar na TV brasileira.
A estreia de Patrine demorou para acontecer. A Manchete chegou a anunciar durante a programação uma previsão de lançamento para abril de 1994, como atração do Clube da Criança, ainda apresentado pela atriz Mylla Christie (das novelas Meu Bem, Meu Mal e Deus nos Acuda).
Segundo informações do boletim interno da emissora, a estreia de Estrela Fascinante Patrine estaria marcada para 4 de julho de 1994*, quando Kamen Rider Black e Cybercop ainda eram reprisados na Manchete. Mas, segundo informações dos jornais da época, Patrine estreou em 1º de agosto de 1994*, numa segunda-feira. Com isso, esta foi uma das primeiras séries licenciadas pela Tikara Filmes, o então novo nome da Everest Vídeo – junto com Winspector.
“Magia cósmica! Metamorfose!”

Após a chegada do ano novo, Sayuri Nakami (Yuuko Murakami, no original), uma estudante do colegial, recebe a missão do Deus Protetor (Kami-sama) para se tornar Patrine e lutar pela paz de sua pacata cidade, além de dominar a arte dos disfarces (apesar que alguns deles não são tão perfeitos assim, já que se trata de uma comédia). Sayuri não pode revelar sua identidade como Patrine em hipótese alguma, sob a punição de ser transformada num sapo.
Ela é a filha mais velha do jornalista Hayato Nakami (que escreve para a revista semanal Eight) e de sua esposa, a dona de casa Midori (Noriko). Seus irmãos são Hideki (Takuto) e Tomoko (Momoko).
No núcleo infantil da série, Hideki lidera o Clube Patrine (Poitrine Club) e ao seu lado estão seus amigos fiéis Kazuya, Kenji e Makoto (Shinsuke). O intuito do quarteto mirim é “ajudar” a heroína a lutar contra os bandidos mais ridículos que já surgiram na história do tokusatsu.
A mãe de Kazuya é a atrapalhada detetive Ritsuko Honda (interpretada pela veterana Rie Shibata, um rosto bastante conhecido pelos espectadores da franquia Toei Fushigi Comedy Series), que foi salva por Patrine no início da série. Porém, Honda não esconde seu desejo em prender a justiceira mascarada de qualquer jeito, mesmo sem um mandado.

Por ser uma série de comédia, o Clube Patrine sempre entra em altas encrencas, e algumas delas graças à impertinente garotinha Reiko Arai, que sempre atrai confusões vindas do além.
Falando em além, a segunda fase da Patrine apresenta o seu vilão fixo: nada menos do que o Diabo do Inferno (Diable). Apesar de atormentar a heroína e os demais personagens regulares da série com a sua chegada, o imperador do inferno (que lembra algo como um boneco de Olinda com capa preta e máscara de prata) quer dominar o universo com a criação de uma arma que só pode ser fabricada no Japão.
É neste momento em que o Deus Protetor convoca Tomoko para se tornar a Pequena Patrine (Poitrine Petite) e ajudar Patrine na luta contra o mal. Tomoko também não pode revelar sua identidade, caso contrário será transformada em uma lagosta.
Alguns rostos conhecidos pelo público de tokusatsu também fizeram participações especiais em Patrine, como Kazuoki Takahashi (Change Griphon em Changeman), o saudoso Jiro Dan (Ultraman Jack em O Regresso de Ultraman) e Ayumi Taguchi (Satie em Kamen Rider Black). Também tinha Shun Ueda (Gasami 2 em Jaspion), que aparecia em alguns episódios como o pai de Kenji.
O fracasso da “Rainha dos Baixinhos” japonesa

Que Patrine fez um grande sucesso na Terra do Sol Nascente é inegável. Mesmo tendo um roteiro bizarro, a série roteirizada por Yoshio Urasawa (que mais tarde escreveria episódios de Carranger, série Super Sentai de 1996 que deu origem a Power Rangers Turbo), com a concepção de Ishinomori, ainda rendeu uma paródia em 2007 intitulada Bishojo Serebu Panchanne, exibida pela TV Tokyo e contando as aventuras de uma socialite que se transforma numa heroína mascarada.
Já no Brasil, o destino foi bem diferente (para não dizer “infeliz”). Patrine foi uma série que destoava bastante do estilo de Jaspion, Changeman e outras séries recentes até então, causando estranheza por boa parte do público brasileiro. Tá certo que havia uma certa aceitação (ora, era mais uma série japonesa na Manchete), mas nem isso foi o suficiente para formar um sucesso comercial.
Patrine é um clássico que passa de qualquer absurdo visto naquela época, mesmo para uma série de comédia.
Como não lembrar do ladrão de fitas de games de Dragon Ball no primeiro episódio? Do cabeleireiro maluco que raspava a cabeça de suas vítimas? Do cientista biruta que queria roubar os poderes da Patrine? Do fantasma de Napoleão Bonaparte com dentes de vampiro? Do empresário que queria comprar uma arma feita por uma criança? Do deus enguia que queria se casar com um filhote de carpa humano? Da motoqueira com um cosplay de quinta categoria do Skyrider? Sayuri se disfarçando de Hitler para (vejam vocês) simplesmente fazer uma breve pesquisa na biblioteca?

E é justamente por essas e outras bizarrices que fazem de Patrine o “clássico trash” das séries tokusatsu no Brasil.
Está anos-luz de ser uma das melhores produções do gênero a passar por aqui, mas a dublagem clássica do extinto estúdio Windstar marcou a memória afetiva de quem assistia nas manhãs e tardes da Manchete (dependendo do horário em que você assistia).
A Windstar era propriedade do saudoso Emerson Camargo, o dublador oficial de National Kid, que havia sido redublado em 1993 para o relançamento do herói-título de 1960 para vídeo. Era ele a narração da série, além dele dublar Hayato e também o Diabo.
A dubladora Marli Bortoletto era quem emprestava sua voz tanto para Patrine. Curiosamente, dois anos depois da estreia da série no Brasil, Bortoletto dublou a Sailor Moon na primeira temporada, com os trabalhos da extinta Gota Mágica. A guerreira da lua é uma criação da mangaká Naoko Takeuchi, que se inspirou em Patrine para criar Sailor Moon.
Voltada originalmente para o público feminino no Japão, Patrine não teve o mesmo êxito no Brasil e rendeu apenas algumas fitas em VHS pelo selo Trianon Vídeo, onde era referida nas capas como “A Nova Rainha dos Baixinhos”.
Isso sem contar que o último episódio, que foi apresentado originalmente pela Fuji TV como especial de uma hora de duração (posteriormente dividido em duas partes em vídeo e reprises na TV japonesa), continua inédito no Brasil, entrando na lista de séries tokusatsu que caíram no cliffhanger da Manchete.
Hoje em dia, se você tiver um mínimo de senso de humor, vai conseguir dar umas risadas (ou até gargalhadas) dos episódios de Patrine, a série que teve a tentativa audaciosa de se tornar mais um sucesso no Brasil. Bizarrice pouca é bobagem!
*Créditos das datas no Brasil: Matheus Mossmann