
Quinta-feira, 1º de setembro de 1994. Desde aquele dia, a vida de quem acompanhava séries japonesas na extinta Rede Manchete mudou para sempre com a estreia de Os Cavaleiros do Zodíaco. Sem muita divulgação inicialmente, a estreia do animê foi um divisor de águas para a emissora carioca, que era conhecida por séries tokusatsu como Jaspion, Changeman e Jiraiya. Não demorou muito para que um desenho japonês, completamente desconhecido em nosso país, se tornasse um assunto obrigatório nos papos de roda na escola, conquistando à época crianças e até jovens e adultos que não falavam de outro assunto.
Antes de qualquer coisa, é preciso que se diga que Cavaleiros não foi o primeiro animê exibido pela Manchete. Nas primeiras semanas de transmissão, entre junho e julho de 1983, a Manchete exibiu pela primeira vez os animês O Pirata do Espaço, D’artagnan e os Três Mosqueteiros, Super Aventuras, Patrulha Estelar e Don Drácula. No final dos anos 80, a Manchete exibiu Capitão Harlock e a Nave Arcadia, Baldios – Guerreiros do Espaço, Doze Meses, Voltes V, Fábulas de Esopo e Macross: A Batalha Final. E mais tarde, em outubro de 1992, a série clássica de Doraemon.
Nenhum destes animês exibidos na primeira década da Manchete virou uma febre como Cavaleiros. A série chegou ao Brasil ainda nos primeiros meses do Plano Real, que chegou a valer mais que o dólar por um breve tempo. Como a importação de produtos era mais barato na ocasião, a distribuidora espanhola Samtoy apostou na comercialização dos brinquedos de Cavaleiros no Brasil.
Com o intuito de emplacar o mesmo sucesso da série em outros países, a Samtoy tentou fechar parceria com a Globo, o SBT, a Record e a Band. Todas elas se recusaram a adquirir a série, devido às cenas de violência inseridas em um clipe de apresentação. Embora fosse uma referência em séries japonesas, a Manchete foi a última opção da Samtoy, considerando que a emissora estava se recuperando da sua primeira crise — que culminou em greve e protestos de funcionários durante a programação, em julho de 1993.

As cenas violentas foram motivo de receio para os executivos da casa. Por outro lado, a Samtoy tinha uma grande expectativa para fechar parceria com a Manchete, além de uma urgente necessidade de renovação de sua programação infantil. Após analisar os episódios na íntegra, a Manchete firmou um acordo com a Samtoy, no qual a distribuidora foi paga pela exibição dos primeiros 52 episódios, com espaço de três comerciais de TV dos bonecos dos Cavaleiros.
Em termos de programação, a Manchete exibia as séries tokusatsu Cybercop (que ainda seria reprisada até março de 1995), Patrine e Winspector (recém-lançadas no Brasil). Indo ao ar como atração dos programas infantis Dudalegria (pela manhã) e Clube da Criança (no final da tarde/início da noite), o primeiro episódio de Os Cavaleiros do Zodíaco, intitulado As Lendas de uma Nova Era, foi ao ar pela primeira vez no Brasil naquele distante dia 1º de setembro de 1994.
É verdade que nem todos os fãs assistiram no primeiro dia de exibição, considerando a divulgação acanhada naquele primeiro momento. Mesmo assim, a data é historicamente importante por representar um embrião do que seria um fenômeno em poucos dias. O sucesso quase imediato de Cavaleiros fez com que a série se tornasse o carro-chefe da programação infantil da Manchete e também um destaque em publicações em todo o Brasil, incluindo a saudosa revista Herói (inaugurada em 26 de dezembro do mesmo ano).
Isso sem contar com a procura dos bonecos, que custavam quase um salário mínimo da época e foram disputados nas vendas para o Natal de 1994. A febre foi tamanha que surpreendeu a própria Samtoy, que teve que importar bonecos dos personagens que ainda eram inéditos na nossa telinha.
Os Guardiões do Universo era o nome do primeiro tema de abertura cantado em português, por Sarah Regina, Mário Lúcio de Freitas, Sueli Gondim e Rubinho Ribeiro. Esta versão (que parece uma marchinha) foi uma adaptação do tema de abertura interpretado por Bernard Minet, cantor francês que também fez versões para séries como Bioman e Winspector. Aliás, o título Os Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya, no original) vem da exibição da série na França, onde foi chamada de Les Chevaliers Du Zodiaque.
A exibição inédita com os primeiros 52 episódios de Cavaleiros foi ao ar até meados de novembro de 1994. Daí, foram mais duas reprises na exibição diária, que foram bem cansativas e sempre parando na Casa de Leão. Havia também uma exibição especial aos domingos, sempre com dois episódios seguidos, às 19h — mesmo horário em que Os Trapalhões e Família Dinossauros fizeram sucesso na Globo, anos antes.
Só a partir de 1º de maio de 1995 é que começou a chamada “segunda fase” de Cavaleiros, com episódios inéditos e um novo tema de abertura, interpretado pela dupla Larissa & William. E foi nesta mesma ocasião que a Manchete colocou uma apresentadora mirim, a simpática Mytsue Ikeda, que fazia um breve comentário sobre o episódio do dia. Ainda no mesmo mês, Cavaleiros atingiu o pico de 7% na Grande São Paulo, se posicionando no Top 5 da Manchete, chegando a liderar a audiência da emissora em vários momentos.
E é bom lembrar que, nos dois temas de abertura (e de encerramento também), eram exibidas cenas aleatórias de alguns episódios da série de TV e principalmente de Os Cavaleiros do Zodíaco: O Filme (aquele do Abel), que foi lançado nos cinemas brasileiros em 14 de julho de 1995, mostrando cenas que antecipavam o que veríamos nas telonas, com Seiya, Shiryu e Hyoga vestindo as armaduras de ouro de Sagitário, Libra e Aquário, respectivamente.
A Manchete exibiu também todos os 4 filmes clássicos de Cavaleiros, finalizou todos os 114 episódios da série de TV, que foi reprisada exaustivamente até 12 de setembro de 1997 — com o último episódio da saga do Santuário/Doze Casas. Como último suspiro, a Manchete exibiu pela última vez Os Cavaleiros do Zodíaco: O Filme na tarde de 31 de dezembro de 1997 e Os Cavaleiros do Zodíaco – A Batalha Final (o filme de Lúcifer) na tarde de 1º de janeiro de 1998.
Em entrevista para o livro Rede Manchete: Aconteceu, Virou História (escrito por Elmo Francfort em 2008), Osmar Gonçalves, superintendente-comercial do Grupo Bloch, afirmou que “Cavaleiros do Zodíaco deu grande faturamento, foi uma coqueluche, nada fez tanto sucesso, foi o terceiro país em maior venda de bonecos do seriado. O contrato com Cavaleiros do Zodíaco era até 2002. A Globo queria passar o seriado depois que a Manchete foi vendida, mas podia só depois de 2002”.
Depois deste período, a série foi adquirida pela Imagine Action DaLicença, antigo nome da Angelotti Licensing, empresa do licenciador Luiz Angelotti. Com isso, uma redublagem foi encomendada para a extinta Álamo, com boa parte do elenco original da Gota Mágica reprisando seus respectivos personagens.
Finalmente, em 1º de setembro de 2003, Os Cavaleiros do Zodíaco reestreou no Brasil, pelo canal pago Cartoon Network, exatamente 9 anos depois da estreia na Manchete. Logo depois, a Band também exibiu a partir de 5 de julho de 2004. Mais tarde, a série clássica teve passagem nas emissoras Rede 21, Play TV e Rede Brasil, na plataforma de streaming Netflix e, mais recentemente, retornando à TV paga pelo Warner Channel.

Atualmente, Cavaleiros está disponível nas plataformas de streaming Crunchyroll (com imagem padrão em SD) e Amazon Prime Video (imagem remasterizada em HD) e na TV paga, pelo canal Adult Swim.
Olhando para este mesmo dia 1º de setembro de 30 anos atrás, é difícil imaginar outro animê no lugar de Cavaleiros. Talvez não tivesse a mesma sorte ou oportunidade de fazer o mesmo sucesso. A alternativa seria a Manchete recusar a série e vivermos uma história completamente diferente. Embora as cenas de violência causassem estranheza para quem assistisse pela primeira vez, a série de Masami Kurumada é um clássico absoluto que se destaca pelos pilares dos mangás publicados na Shonen Jump: amizade, esforço e vitória.
Já vimos febres de animês como Pokémon (na Record) e Digimon (na Globo e na Fox Kids) dominando a programação da TV brasileira, mas nada se compara ao meteórico (sem trocadilho) sucesso que Os Cavaleiros do Zodíaco fizeram em seu auge no Brasil. A jornada de Seiya, Shiryu, Hyoga, Shun e Ikki para salvar Saori, a reencarnação da deusa Atena, continua cativando antigos e novos fãs em nosso país e ainda lembraremos daquela boa época daqui a mais três décadas.