Kamen Rider Kuuga: 25 anos do clássico que redefiniu o tokusatsu

Kamen Rider Kuuga, o primeiro herói japonês do ano 2000 | Divulgação: Toei

O lendário mangaká Shotaro Ishinomori se foi em 1998, deixando um legado para a cultura pop japonesa. Sua obra de maior sucesso, sem dúvida, é Kamen Rider, que derivou outras produções para mangá e também para TV. Antes de sua partida, ele criou um projeto que acabou se tornando o embrião de novos motoqueiros mascarados, que seguem no ar até hoje na Terra do Sol Nascente. Este marco aconteceu há exatos 25 anos com a estreia de Kamen Rider Kuuga, o herói da então nova geração que testemunhou a virada do milênio.

Para homenagear Ishinomori e celebrar os 25 anos do clássico Ganbare!! Robocon (1974), a Toei Company decidiu criar um revival chamado Moero! Robocon, que foi ao ar nas manhãs de domingo da TV Asahi, entre 31 de janeiro de 1999 e 23 de janeiro de 2000.

Moero!! Robocon (1999), a primeira obra póstuma de Shotaro Ishinomori | Divulgação: Toei

Devido à fase derradeira da franquia Metal Hero (que só foi oficializada pela Toei anos mais tarde, após o seu fim na TV japonesa), considerada na época como um mero bloco dos “robôs cômicos” – formado por B-Robo Kabutack (1997) e Tetsuwan Tantei Robotack (1998) -, Moero! Robocon teve um caminho mais fácil para ser incluída na faixa dominical da TV Asahi, graças à boa audiência das séries anteriores e considerando que Ganbare!! Robocon também tinha uma pegada mais infantil.

Foi daí que surgiu uma ideia de criar um novo bloco para as manhãs de domingo da TV Asahi, desta vez com remakes de obras de Shotaro Ishinomori, tendo Moero! Robocon como ponto de partida. O forte candidato seria Kamen Rider e, com isso, tivemos a estreia de Kamen Rider Kuuga em 30 de janeiro de 2000.

Inicialmente, a Toei não tinha nenhuma pretensão de retomar a franquia como era antigamente nos dias da era Showa. Ou seja, Kuuga seria apenas uma série Kamen Rider, que prestaria homenagem a Ishinomori, testaria um novo formato semelhante às novelas, que seria substituída por uma releitura de Kikaider ou Inazuman.

Um novo herói, uma nova lenda

Lá em meados da década de 1990, Ishinomori havia criado um esboço de um novo Kamen Rider, com origem ancestral e que despertaria nos tempos modernos para enfrentar o mal. Porém, o mangaká morreu em 28 de janeiro de 1998. Por ironia do destino, ele não acreditava que a humanidade chegaria ao ano 2000, mas acabou falecendo dois anos antes.

Yusuke Godai, o alter-ego de Kuuga | Divulgação: Toei

A série narra a saga de Yusuke Godai, um jovem de 25 anos que viaja pelo mundo. Sempre positivo, dizendo “Está tudo bem” (daijoubu) e fazendo o sinal com o polegar para cima (usado pelos romanos para aprovação), carrega o desejo de completar a meta de 2000 habilidades e principalmente de proteger o sorriso das pessoas. Um dia, ele consegue um estranho cinto originado de uma antiga civilização e se transforma em Kuuga para lutar contra a tribo Grongi. Seus aliados são o policial Kaoru Ichijou, sua grande amiga Sakurako Sawatari, além da própria polícia que classificou as criaturas como “entidades desconhecidas”.

Os Grongi (leia: “grongui”) são uma raça de seres inteligentes semelhantes aos humanos, mas com aspectos de diferentes animais ou plantas. Tais criaturas foram seladas nas ruínas pelo antigo Kuuga, mas, no início do ano 2000, foram libertos do selo durante as escavações e elas passam a caçar os humanos impiedosamente em uma estranha competição, denominada por eles como “Gegeru” (“guegueru”).

Como alter-ego de Kuuga, Godai não possui, inicialmente, controle de seus poderes. Sua primeira transformação é com a Growing Form (de cor branca; a mais fraca do herói). Ao decidir lutar, mesmo que custe sua própria vida, Godai se transforma em Kuuga na sua aparência principal, a Mighty Form (de cor vermelha). Durante a série, Kuuga assume outras formas, mesmo sem consciência e eventualmente com resultados inesperados e até catastróficos. São elas: Dragon Form (azul), Pegasus Form (verde) e Titan Form (púrpura).

No fear, no pain!

Kamen Rider Kuuga surgiu após um hiato de mais de 10 anos da TV japonesa, desde o episódio final de Kamen Rider Black RX, que foi ao ar originalmente na manhã de 24 de setembro de 1989, em um pool formado pelas emissoras MBS e TBS. Durante esse tempo, a Toei lançou filmes de Kamen Rider para vídeo e cinema.

Em sua Ultimate Form, Kuuga enfrenta N·Daguva·Zeba, o grande líder dos Grongi.

O produtor chefe de Kuuga foi Shigenori Takatera, que havia começado sua carreira como assistente em Kamen Rider Black. O roteiro foi de Naruhisa Arakawa (que contribuiu para séries Kamen Rider e principalmente Super Sentai), tendo em sua equipe o grande Toshiki Inoue (o mesmo roteirista de séries tokusatsu como Jetman, Kamen Rider Agito e Kamen Rider 555). Eles tiveram todo um cuidado para criar uma trama inovadora que evitasse o máximo de inconsistências.

Em outras palavras, Kuuga foi uma série inovadora por se afastar daquela atmosfera clássica da franquia, mesmo mantendo seus conceitos. Embora os episódios fossem carregados de violência, drama e terror (sim, exibida nas manhãs de domingo), sendo um verdadeiro contraste com a proposta de Kabutack, Robotack e Moero! Robocon.

O diferencial dos Grongi era que eles possuíam suas próprias língua e cultura, sempre motivados pela caça aos humanos. Kuuga tinha que contar com a parceria da polícia, que implementou uma divisão especial para deter os inimigos. A produção de Kuuga reformulou o conceito de Kamen Rider, deixando de lado ideias como do “Homen Reconstrído” (ciborgue; ou “homem mutante” como na dublagem de Kamen Rider Black), as batalhas contra soldados rasos e até vilões com a intenção de dominar/destruir o mundo. Essa mudança fez com que a franquia Kamen Rider firmasse seu sucesso até hoje.

Para Takatera, o mais importante era manter o conceito de amizade de homem para homem, de humanos transformados em ciborgues – como Takeshi Hongo e Hayato Ichimonji (os dois primeiros Kamen Riders), com humanos, como Kazuya Taki e Tobei Tachibana (os aliados dos primeiros Kamen Riders). Assim surgia a parceria entre Godai e o policial Kaoru Ichijou em Kuuga.

Yusuke Godai se prepara para sua transformação | Divulgação: Toei

Yusuke Godai era um herói sonolento (como não tínhamos visto desde Jaspion), determinado e foi um personagem marcante graças à atuação de Joe Odagiri, que tinha a intenção de atuar em obras mais dramáticas e realistas ao invés de uma ficção científica como tokusatsu. Sem grandes expectativas, Odagiri fez o teste para um papel secundário e acabou sendo aprovado para o papel principal. Inicialmente, ele pensou em recusar, mas foi convencido por Takatera.

Anos depois do fim de Kamen Rider Kuuga, surgiu um mal-entendido na mídia japonesa alegando que Odagiri tivesse detestado atuar na série e que tentou banir tal trabalho de seu currículo. Porém, isso não passa de um equívoco. Ele já participou de eventos com a equipe de filmagens e também é amigo de Takatera. Inclusive, quando o produtor saiu da Toei e foi para a Kadokawa, Odagiri o apoiou na época da estreia da série tokusatsu Daimajin Kanon (2010; baseada na trilogia Daimajin). Em uma entrevista, Odagiri conta que, no começo, ele se perguntava se foi uma boa ideia ter aceitado o seu papel em Kuuga. Mas ele mudou de ideia ao ver o esforço da equipe em repaginar Kamen Rider.

Em novembro de 2014, Kamen Rider Kuuga ganhou uma série em mangá que reconta a trama. Publicado na revista HERO’S (a mesma de ULTRAMAN), o mangá conta com a arte de Hajime Yokoshima e roteiro de Toshiki Inoue. Curiosamente, Inoue foi escolhido por Shinichiro Shirakura, produtor e diretor da Toei Company, por ele assinar alguns episódios de Kuuga para TV, além de ter sido o roteirista principal de Kamen Rider Agito, que era uma sequência indireta da série. Atualmente, o mangá de Kamen Rider Kuuga é publicado no Brasil pela Editora JBC.

Em 2009, Kuuga ganhou uma versão alternativa na série tokusatsu Kamen Rider Decade, que passa a acompanhar o herói-título em sua jornada pelos mundos alternativos. Curiosamente, o alter-ego do Kuuga alternativo se chama Yusuke Onodera – o mesmo sobrenome de batismo de Shotaro Ishinomori.

Demora para chegar ao Brasil

Página da revista Anime Kids (Ed. Escala) sobre as situações de Kamen Rider Kuuga, Ultraman Tiga e Ultraman Dyna no Brasil, em setembro de 2002 | Reprodução: JBox TV

Num primeiro momento, Kamen Rider Kuuga quase foi exibido no Brasil. A série chegou a ser licenciada por aqui pela Imagine Action Dá Licença, antiga distribuidora do Sr. Luiz Angelotti, que apostou na novidade. Segundo informações publicadas pela edição de setembro de 2002 da revista Anime Kids, Kuuga estava sendo cogitado para ir ao ar pela Globo e também pelo extinto canal pago Fox Kids. O tempo passou e, infelizmente, as negociações não foram adiante, mesmo com a volta de Os Cavaleiros do Zodíaco à TV brasileira, em 2003, pelo canal pago Cartoon Network, e a esperança do próprio Angelotti em lançar a série tokusatsu em alguma emissora.

Essa estreia só ocorreu após duas décadas. Em 30 de novembro de 2021, o canal Resistência Tokusatsu revelou em primeira mão o lançamento de Kamen Rider Kuuga para o Brasil, desta vez com distribuição da Sato Company – que logo anunciou mais séries da franquia para o catálogo. O anúncio foi realizado pelo tradutor Gustavo Iracema (Gustavaum), com autorização da própria distribuidora.

Com imagem remasterizada em HD e tradução dos diálogos dos Grongi (entre parênteses), Kamen Rider Kuuga ganhou uma pré-estreia na noite de 1º de outubro de 2022, com a exibição dos primeiros episódios. Atualmente, todos os 49 episódios estão disponíveis na plataforma de streaming Amazon Prime Video, desde 22 de novembro de 2022.

Legado

Graças ao sucesso de Kuuga em sua exibição original, a Toei decidiu produzir uma nova série de Kamen Rider para 2001, ano em que a série original completou três décadas. Daí surgiu Kamen Rider Agito, que se tornou um grande sucesso, com média de 11.7% – a maior audiência de um Rider da era Heisei. A franquia voltou a se firmar a partir de 2002, com Kamen Rider Ryuki, que mais tarde ganhou sua versão para o Ocidente chamada Kamen Rider: O Cavaleiro Dragão.

Kuuga é um um clássico importante que abriu novos horizontes para a franquia de Ishinomori | Divulgação: Toei

Kamen Rider Kuuga foi um marco importante para o tokusatsu. Hoje é uma série datada, mas sua filmagem em vídeo (e não em película como as produções anteriores) eram estranhas, mas acabou sendo um charme daquela época. A trama parecia uma novela de ação e tinha um aspecto bastante sombrio – superando até mesmo Kamen Rider Black.

Por esse e outros motivos é que Kuuga se mantém como um clássico importante que abriu novos horizontes para a franquia de Ishinomori, mesmo com seus altos e baixos. Merece ser assistido mais de uma vez e, se possível, na calada da noite.

Chou Henshin!

Um quarto de século

Logo comemorativo dos 20 anos de Kamen Rider Kuuga | Divulgação: Toei

Em 30 de janeiro de 2025, a Toei divulgou o logo de aniversário de 20 anos de Kamen Rider Kuuga. Ainda neste ano, a série vai ganhar uma exposição comemorativa que vai contar detalhes sobre a criação do herói-título.

Além disso, pegando o público japonês de surpresa, a Tokyo MX, emissora UHF da região metropolitana da capital japonesa, exibiu na noite desta quinta (30), das 20h às 20h57 (JST), uma edição especial de Kamen Rider Kuuga, com uma complicação dos dois primeiros episódios da série.

Uma semana antes da exibição, fãs japoneses ficaram curiosos por ver na programação da Tokyo MX que seria exibido um especial relacionado a Kamen Rider (o público não sabia ao certo o que seria). No entanto, o especial de Kuuga foi anunciado na manhã do dia da exibição.

Imagem promocional da edição especial de Kamen Rider Kuuga, exibida pela Tokyo MX na noite de 30 de janeiro de 2025 | Divulgação: Toei/Ishimori Pro

Veja cinco curiosidades sobre a série:

*Kamen Rider Kuuga foi a primeira série da franquia filmada em 1080i, mas as transmissões e lançamentos em home-video usaram versões modificadas em 4:3 letterbox, resultando em qualidade padrão.

*Joe Odagiri se tornou um fenômeno televisivo conhecido como “efeito Odagiri”, no qual um programa com um público masculino atrai um número maior do que o esperado de telespectadoras devido aos protagonistas masculinos mais atraentes. Embora o público-alvo da série fosse de crianças de 4 a 12 anos, os produtores perceberam que Kuuga atraía também a audiência das mães das crianças, na faixa dos 30 anos. Isso foi testado propositalmente em Kamen Rider Agito, escalando três protagonistas. O resultado foi que Agito teve uma audiência maior que Kuuga, sendo também a série Kamen Rider mais vista durante a era Heisei.

*Kuuga marcou a volta definitiva da franquia na TV Asahi (antes de abril de 1977, a emissora se chamava NET), após cerca de 25 anos da exibição do último episódio de Kamen Rider Amazon, em 29 de março de 1975, substituído por Himitsu Sentai Gorenger a partir de 5 de abril do mesmo ano. No mesmo dia da estreia de Gorenger, Kamen Rider Stronger estreou na TBS, emissora que exibiu outras produções da franquia até o episódio final de Kamen Rider Black RX.

*Kamen Rider Kuuga foi a última série a apresentar um Rider solitário lutando, algo muito associado à era Showa.

*Esta foi a primeira série Kamen Rider exibida na mesma rede de TV e numa dobradinha com Super Sentai, sendo os dois episódios finais de Kyukyu Sentai Go Go Five, seguido por Mirai Sentai Timeranger (versão original de Power Rangers Força do Tempo). Essa dobradinha entre Kamen Rider e Super Sentai, nas manhãs de domingo, foi firmada em 28 de setembro de 2003, com a estreia do bloco Super Hero Time, durante as exibições de Kamen Rider 555 (Faiz) e Bakuryu Sentai Abaranger (versão original de Power Rangers Dino Trovão). Essa prática continua até hoje.


Deixe um comentário